domingo, 27 de fevereiro de 2011

“TEM DÓ, PAPAI DO CÉU!...” Poesia de Mário Barreto França



Aos pioneiros de Missões Estrangeiras, e à menina Creusa,
Filha do casal Lígia e Waldomiro Mota, missionários na Bolívia.

Santa Cruz de La Sierra. O dia declinara,
Ornamentando o céu de uma beleza rara,
Pondo nos corações cansados de sofrer
Uma gota de luz e um pouco de prazer,
Pois no suave dulçor da tarde que morria
A bondade de Deus em promessas sorria...

Quando a noite desceu sobre a cidade o manto
De treva, uma notícia andou de canto a canto:
- “Vai haver pregação das doutrinas de Cristo,
Na pequenina igreja evangélica!...” – Nisto,
Um ébrio inveterado, erguendo-se do chão,
Falou: - ‘Vou acabar com essa reunião!...’

E seguiu, cambaleando, em direção ao templo...

Na casa de oração, porém, um belo exemplo
De fé, a fulgurar nas asas da inocência,
Iria arrebatar a pequena assistência,
Que via em gesto audaz de crença e confiança
A manifestação de Deus numa criança...
É que a menina Creusa - a filha do pastor –
Pedindo ao seu papai uma Bíblia e um Cantor,
Pôs-se logo a cantar, numa voz que seduz,
Um hino que exaltava o poder de Jesus:

“No hay peligro,
No hay peligro,
Pra quien tiene fé
Em mi Jesus!”

Nesse instante assomou à porta o celerado;
E, em gesto ameaçador, ficou ali, parado,
À espera do momento em que iniciaria
A cobarde agressão...
Mas a doce harmonia
Dessa voz infantil foi aos poucos quebrando
O pétreo coração daquele homem nefando
Que tirou seu chapéu, tornou-se reverente,
Seu semblante mudou, sorriu humildemente,
Sentindo dentro d’alma o conforto divino
Que lhe vinha do céu no cântico dum hino...

Quando Creusa parou de cantar, disse o velho:
- “Se cantares de novo, ouvirei o evangelho,
Deixarei, sem temor, todos os vícios meus
E virei sempre aqui para adorar a Deus!...” –

Animada de amor que se comove e canta
Dentro do coração, a Creusa se agiganta
E eleva a sua voz de místicas doçuras
Aos redoirados céus das divinas alturas,
Emocionando assim toda a congregação
Que a acompanha depois nessa meiga oração:
- “Papai do céu, concede a este bêbado velho
Um novo coração para o teu Evangelho!
Tem piedade, Senhor, desse infeliz incréu
E de su’alma atroz, tem dó, Papai do céu!” –

E um vislumbre de fé, e um roseiral de prece
Em cada olhar fulgura e em cada peito cresce,
Na congratulação dos pregoeiros da cruz
Por mais um pecador que se entrega a Jesus.

*

Creusa! Tua missão é a missão dos pequenos,
Dos que vivem com Deus, dos que lutam serenos
No bendito mister de fazer caridade,
Pregando a Paz, o Amor, o Perdão e a Humildade;
Por que não fazem mal e não sabem mentir,
Pois vivem, na verdade, a cantar e a sorrir!...

Creusa! Tua missão é a missão dos remidos,
Consolando o que sofre ao peso de um labéu...
Vive, pois, a implorar por todos os perdidos:
- “Tem dó, Papai do céu! Tem dó, Papai do céu!...”

Mário Barreto França - Fevereiro de 1947

No livro O Louvor dos Humildes (Rio de Janeiro, 1953)

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